O álcool, ele tem esse problema. O problema terrível, cruel, perverso, de desmistificar o mundo enquanto o torna deliciosamente claro. Quando a gente tá meio bêbado as palavras são fáceis, e a realidade está logo ali.
Por isso é tão terrível ceder ao impulso e ir dormir. Não, jamais! Travesseiros e cobertas jamais nos fornecerão a verdade de uma segunda mesa, o desarranjo querido de um novo boteco, porque o anterior fechou. As histórias fluem e se repetem, as opiniões brincam em nossa boca, transformam-se em idéias até que tenhamos a sem-vergonhice de fazer delas palavras ditas, até que elas se alcem ao brilho de prosa falada. Dizer é sempre mais interessante se a prosa é emboladinha, se o interlocutor está (também) exposto...
E por tantas serem as possibilidades é difícil ir prá casa. É difícil se recostar no sofá e ver a noite toda ir embora descarga abaixo. É ruim ver o pó baixar e dar de cara com o que somos realmente, com o que aparece ébrio no espelho, dessa vez patético, sem propostas de salvação do mundo (ou da mesa) em sua próxima aparição.
Fácil encarnar nosso personagem boêmio. Difícil demais trocá-lo por aquele que, no dia seguinte, sob sol rachando, tenta repetir as façanhas do ser sem a magia da noite anterior.