Sete e meia da manhã. Domingo. E ele não acreditava que já estava acordado.
Havia trabalhado a noite anterior até as três da madrugada, e tudo o que queria quando se deitou na cama era acordar depois do meio dia no dia seguinte.
Mas, pela enésima vez no mês, o rádio da vizinha o acordou.
Sentou-se na cama e ficou refletindo.
Ele que sempre foi um homem tão cheio de ética, não conseguia entender o que é que algumas pessoas faziam com a sua.
E o problema nem era o gosto musical da vizinha, bastante incompatível com o seu. O que o incomodava era a necessidade da mulher de ouvir o som no último volume, fazendo a música ecoar por todo o prédio.
Pensou em calçar seus chinelos, vestir a camisa do pijama e ir até o apartamento de cima pra tentar resolver o problema. Mas lembrou-se que já havia feito coisa semelhante na última semana, e que de nada tinha adiantado.
A medida em que ele pensava nesse problema tido até pouco tempo como "doméstico", sentia sua calma habitual dar sinais de falha.
Em pouco tempo estava trêmulo. E no andar de cima a vizinha cantava os sucessos da rádio.
Sentiu que suava frio. Esfregou as mãos na bermuda enquanto andava em círculos pelo quarto.
Sabia que seu tormento não seria resolvido enquanto a vizinha não se mudasse dali ou enquanto ela...
"Enquanto ela estiver viva", refletiu, embriagado por sua ira.
De forma mecânica, calçou os chinelos. Cozinha. Gaveta. Faca. Ganhou a porta e subiu as escadas.
Não precisou tocar a campainha. A porta estava escancarada e na frente dela ele parou, observando a vizinha que varria a casa e cantava a odiosa e alta música.
Entrou no apartamento. Lá dentro a música, ainda mais alta, penetrava por seus ouvidos de forma irritante, o que só fez aumentar a raiva que ele já sentia.
Se aproximou da mulher que o olhava com espanto. Era fraca e magra, a moça.
Imobilizou-a.
Uma, duas, três, quatro... e continuou até dar a quadragésima sétima facada.
Largou o corpo retalhado no chão. Levantou-se, desligou o rádio e saiu do apartamento.
Agora sim, sua calma havia voltado e ele, finalmente, poderia voltar a dormir.
(...)
[Ontem eu vi um psicólogo contando essa história na Tv. Não exatamente desse jeito, é claro. Mas achei interessante. Eu também não conheço o meu limite. Ainda que eu raramente sinta raiva, quando o faço, tenho vontade de partir pra agressão física sim.
Acho que alivia, ou qualquer coisa do tipo. Mas não se preocupem. O mais próximo que já cheguei de agredir alguém por motivos de ira maior foi quando taquei uma caneta na testa de um amigo que tava me enchendo o saco. É bem verdade que podia ter acertado o olho, mas vá lá...]
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