Adiantando o que será publicado daqui algum tempo no Jornal Oficina do Unileste:
" Era difícil fechar os olhos. Não se podia descansar tendo feito isso de tal maneira. Apesar de não ser a primeira vez, essa fora feita com as próprias mãos. Suas garras compridas ainda guardavam pedaços de carne humana em putrefação. Seu corpo exausto clamava por um leito, todavia, sua mente a impedia de poder aliviar-se de tal fardo. “ Sim, eu o matei.” Soava como um mantra, algo que a deixava, no mínimo, inquieta. Recorrer às drogas, “Por que não?!”. Já era desnecessário. Sentira algo como uma pancada na nuca, foi como uma força superior que a levou para outra dimensão.
Encontrava-se agora desnuda de toda culpa. Era simplesmente o ser, criação de uma força divina. Do amor... ou do ódio. Mas estava ali. Seu refúgio social se resumia apenas a um velho lençol, rasgado e, ainda, sujo de sangue. Estava ali... limpa, pura, longe de todo o corrompimento, distante do que pudesse lhe fazer mal. O que realmente tornara o instante prazeroso era a oportunidade de dormir em paz. Sozinha, em sua cama, não era preciso vender o próprio corpo, ou ser uma incansável ladra e assassina de corpos obesos, mortos pelo preconceito de uma mente livre de qualquer razão obviamente bondosa. Matava a sangue frio, geralmente com a ajuda de uma arma que recebera como pagamento por uma noite de prazer carnal egoísta.
Mas estava diferente. Pouco protegida, voltava a ser agora como fora um dia. Desfez de tudo (pouco) que tinha e retornou para a casa de seus pais. Os velhos amigos se tornaram novos mais uma vez. Descobriu que possuía sentimentos, e que poderia até se apaixonar. Era humana, aprendeu a chorar. Experimentou do amor, e dele não mais se desfez. Havia atingido o inefável, era impossível descrever o quão satisfatório se tornara viver. Não era mais preciso tapar a face, esconder sua existência. Seria constantemente uma pessoa normal.
Certo momento, ao entrar em seu quarto, após beijar seus pais, sentia-se preparada para dormir, mas decidiu, antes, abrir uma caixinha de música com que fora presenteada quando completou 15 anos. Ao abrir a caixa, encontrou a arma que seu mais fiel, porém não mais, cliente lhe dera.
Foi como voltar ao passado. As lembranças, que supostamente haviam se apagado, voltaram a atormentar sua mente. Experimentava agora, a efemeridade da paz. Chorava novamente, agora movida pelo ódio. Sentiu nojo de si, olhou-se no espelho e quis quebrá-lo. Seus cabelos, presos por uma fita branca, eram vistos novamente na cor vermelha, sujos com o suor de um deprimente corpo. Juntando os fatos, percebeu que seus pais a olhavam com desprezo, e todo o bom tratamento era justificado pela piedade. Lembrou-se dos olhares repudiosos de seus vizinhos e de quem a cercava, e sentiu raiva. Não lembrou do namorado, talvez fosse ele muito bom para ser memorado agora. Mas o ódio crescente a fez direcionar com as mãos suadas e trêmulas, e contra seu próprio peito, a arma. Não encontrou forças suficientes para manter-se em pé, mas o pouco que restava a fez puxar o gatilho, atirando em seu mísero corpo.
O estridente barulho imaginário a fez acordar com um certo desespero. Gostaria, de fato, que seu desejo pudesse,um dia, se tornar real. Sentiu-se pura, apenas por almejar sua própria felicidade. Suas mãos frias terminaram de rasgar o lençol que a cobria. E dessa vez, chorou de tristeza. Subitamente, porém, sorriu. Sorriu porque descobriu que poderia ser feliz. Descobriu que era possível olhar, era possível sonhar. "
Por Orlando Junior [vulgo /jinim]
Eu tenho orgulho desse menino.
Ele só precisa deixar de lado algumas frescuras e acreditar que sabe fazer essas coisas, deveras.
Num é?
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