segunda-feira, março 27, 2006

Desgraças a postos?


"Eu morava num barracão de lona na beirada do rio, pescava peixe prá comer e fui chifrada em rede nacional. Mas não vou ganhar 1 milhão porque a baiana, além de feia e véia, já passou fome. snif. :~"

Eis que no domingo à noite, ao invés de ler os textos das aulas de segunda de manhã, eu tava lá, largada no sofá vendo Big Brother. Em tempo: tenho noção da ridicularidade de minha condição - pintassem-me de amarelo e postassem sob minha barriga uma Duff, eu passaria bem como Homer Simpson.]
Contudo, não vamos entrar no mérito da minha falta de dignidade. Eu dizia sobre o BBB. Pois bem.
Passa que, a certo momento, Pedro Bial [mais tarde trataremos da superestimação desse, hunf, JORNALISTA.] convocou os três finalistas a resumirem em um segundo toda a história de suas vidas. O que se seguiu ao pedido foi algo semelhante a um desfile de desgraças: a baiana já passou fome; a modelo morou em barracão de lona e o professor passou por "momentos muito difíceis" em sua vida - o pobrezinho não conseguiu relatar tragédias que competissem com as de suas companheiras.
Todo esse freak show desperta minha curiosidade para o fato de que o brasileiro parece ter uma atração quase que, eu sei lá, sádica, por desgraças. Bom sujeito é sempre aquele que passou pelos piores perrengues e ainda assim, *arrem* venceu na vida. Aquele que, coitado, teve o azar de nascer em berço rico não é digno de admiração porque não foi "guerreiro", não "ralou", sabe como?
E esse fetiche por mártir não se reflete só em biguis bróderes ou filas do pão. Experimente você, seu classe média sem calos na mão, reclamar com teu pai que pegar ônibus às 7 da manhã é participar de uma suruba tão involuntária quanta indesejada. Ha-ha. Provavelmente ouvirá um sermão já conhecido, de longa duração, envolvendo milhas e milhas a separar residência de escola, pés descalços, sóis escaldantes e falta de dinheiro prá merenda no recreio. Raríssimo ser diferente.
Eu não digo aqui que o esforço das pessoas não deve ser reconhecido - pelo contrário, até invejo a paixão de alguns sujeitos. O que eu acho é que gente possui outros valores importantes além da garra e, sobretudo, ninguém precisa necessariamente ter comido o pão no qual o demo sapateou para ser bom, ou digno. Caráter tá ligado é a outra coisa.
Por outro lado, eu compreendo que essa característica comum a muitos brasileiros tem justificativa menos simplista [e menos mal humorada, né, Dona Lara?] que o sadismo: Louva-se o sofredor por esperar-se que sua própria sofreguidão seja um dia louvada. Mas isso aí, até eu, burguesinha-classemédia-unhafeita-internet, sei que não se resolve tão cedo.
Que vão adotando seus mártis, então. Quando se cansarem daquele da cruz, vai o mais chorão do Big Brother, mesmo.

[Em tempo: depois do comentário, preciso nem dizer que aposto em Mara como ganhadora do 1 milhão, néam?]
[De novo: Eu assisto BBB sim. E, ó, nem vem... quero saber de vida ruim sua não, rapá.]

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