terça-feira, junho 13, 2006

Lacuna Inc.

Pensando hoje se será se Dora me vem. Que ontem foi daqueles dias friozinhos e cinzas, aqueles que quando a gente olha pro céu tá tudo tão claro e tão nada que a gente não sabe e não pode conter o pensar. E foi ontem que, como anteontem e anteanteontem, eu me pus a lembrar de Dora e daquele jeito manso que ela bem tinha de chegar até mim; pura falta de jeito, o jeito cheio de graça, os cabelos pretinhos prendidos em trança, quietinha a me esperar responder às suas batidas hesitantes em minha porta.
De quando a pele dela inda era rija... é mais nessa época que eu me paro e deixo as horas se escorrerem - passam ilesas, que eu fico sentado comigo nessa varanda, a prender os olhos na rua, mas vendo é Dora chegar-se prá mim. Nos outros tempos adiante eu também ás vezes me deixo ficar; a trança já se prateando e uns sulcos a tomarem-lhe a carne - mas ainda era minha, ainda era Dora.
Eu tento lembrar quando é que ela se saiu assim de mim, quando foi elvar sua voz baixa e docinha prá falar noutro lugar, quando foi que não me acontecia mais a sua presença franzina, cortando o monótono do meu dia. Mas as lembranças agora me são tão confundidas; há um tanto de buracos naquilo que era o todo das minhas memórias, como se o pano que antes fora inteiro agora tivesse se brocado em renda.
Eu sei, sei sim que o outro lado da calçada que eu miro todos os dias enquanto me deixo ficar aqui sentado não me trará as respostas nem encherá [como um sopro] a lacuna que falta, a lacuna que dói. Mas já é meu hábito e já faz parte da minha idade esperar, esperar, esperar.
Vou pensando hoje e ontem e amanhã se será se Dora me vem. É bem verdade que a resposta eu já tenho comigo - mas me deixa ser, que a lembrança me aquece, e a espera toda me faz o tempo passar.



PS:[Sumi tempo suficiente prá fazer 19 anos e outras coisas. Agradecimentos gigantes a todos aqueles que sempre fazem do 12 de junho meu aniversário, e não uma grande dor de cutuvelo.]

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