segunda-feira, dezembro 04, 2006

...prá que rimar amor e dor?

Talvez porque, salvo o caso de você ser um Cortázar, só a tônica do amor não presta, não desenvolve.
Se você escreve prá dar cabo na inquietação que fica após aquele filme que depois de alguns anos ficou tão melhor, se as frases não te tomam prisioneiro e te colocam maluco até que paridas num papel [elas vêm mesmo é na passagem da sala pro quarto; nos olhos que não se fecham só prá dormir; numa inútil abrida de geladeira - e vêm cruas e descabidas como os próprios atos que as fomentam, sem pretensão de se tornarem um dia concisas e bonitas como uma birosca.], se não te sobra intimidade com as letras prá fazer de coisa como amor e só amor algo bonito sem ser piegas, a minha receita é simples:
Daquele senhor, cujas rugas já são tão fundas que parecem dizer de todos os gestos por ele já feitos, ao mesmo tempo em que anunciam os movimentos futuros, cate a dor duma perda imaginária, talvez inexistente. Da moça que caminha displicente, como se ser bonita daquele jeito fosse coisa normal, procure a dor que ela plantou em todos aqueles que presenciaram um 'não' sair dançando de sua boca prá pousar cortante em ouvidos infelizes. E se você não tiver caráter nenhum, vale até catar as desilusões de jardim-de-infância do garotinho que volta cabisbaixo prá casa, as duas paçoquinhas na mão - uma por ela rejeitada, e a outra que ele já não quis depois que o apetite foi dar uma volta.
Desligue Caetano quando ele vier indagar o porque da sua rima, junte as dores alheias com alguma que você já deve ter tido, caia no óbvio, mas mate - não definitivo, óbvio - aquela inquietação que sabe-se lá porque te surgiu.


[O trabalho do Fernando Pessoa não me fez bem, mesmo.]

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