Eu já ia em minha distração, placidamente transtornada com aquele silêncio que ás vezes irrompe as horas da minha felicidade, quando, ao analisar cada milímetro dos meus detalhes prá ver se me entendia como carne antes de idéia, topei com a linha de cor diferente, cosindo com tanta perfeição o botão da minha camisa.
Aqueles traços simétricos, o rigor da pecinha que agora retornava a seu lugar, a firmeza... tudo aquilo não podia ser coisa minha, eu que tenho os traços tortos, eu que, quando ninguém olha, sempre escolho o lado gauche da vida.
Foi quando eu me lembrei d'A Fonte, e senti que, através daquele minúsculo e estúpido objeto, eu podia me sentir inundada por toda a água viva e doce que já minou daquelas mãos, daqueles olhos.
Então eu quis, e como eu quis, arrancar todos os botões das minhas blusas, rasgar com fúria todos os panos das minhas saias e desfazer as pregas dos meus poucos vestidos, só prá entregar os farrapos em seu colo e sentir, outra vez, um após outro, seus cuidados, suas ternuras, sua vontade de remendar os talhos de uma vida.
[É que são os 51 dela hoje, e eu não tô, assim, tão por perto.]
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