Eu aqui, selecionando outra música no windows media player porque meu winamp estragou, trocando uma baladinha feliz por qualquer outro som mais arrastado, aquela coisa meio artificial de quem escreve duas linhas e amassa o papel numa bola que vai pro cesto de lixo, a mão espalmada esmagando a testa, a suposta deadline dando a volta no meu pescoço, nem pro leite adulterado das crianças esse tique de escritor te serve.
Eu iria à janela se houvesse vista do meu prédio, e acenderia um cigarro se isso não desse câncer. E qualquer coisa de beber prá fingir que eu tô no fundo do poço, as olheiras feitas de lápis creon mal lavado, e a expressão de cansaço de quem dormiu a tarde toda. A minha decadência fake não vem, eu tento me lembrar daqueles diálogos que à hora parecem tão impactantes mas que que se pintam em tons pastéis alguns intantes depois, tento maquiar uma porcaria qualquer - porque eu não sei inventar - fico maquinando qualquer borracha que eu tenha ouvido hoje, tantos deleuzes e paul-de-mans, focaults, mallarmés, é tanta gente com nome de sobremesa francesa roubando o meu gozo, tanta preguiça em decidir ir adiante ou voltar atrás duma vez, uma raivinha mínima permeando a minha injusta falta de inspiração trancada num apartamento tão branquinho com detalhes verdes.
Deve ser esse o ponto em que se diz sim pro que vem e tchau pro que foi embora, deve ser esse o ponto em que tardes boas se gastam na horizontal, os olhos mirando por entre as duas unhas mal cortadas dos pés qualquer cara sorrindo comercial de pasta de dente, mais brancos do que nunca (e com flúor!) e umas cáries insignificantes brincando dentro da sua boca agora tão fechada.
Até o meu desassossego tem hora e lugar prá se conformar dentro do quarto lá pela meia noite, até as minhas noites agora terminam mais cedo, todo mundo sóbrio com muito o que fazer durante a semana e pouca paciência pro sábado.
Deve sim, ser esse o ponto em que se diz sim pro que vem e tchau pro que foi embora, eu percebo pelos assuntos com cheiro de mofo, pelas posturas conservadoras, pelo cansaço estampado no rosto de todo mundo e pela aceitação de ombros erguidos momentaneamente seguidos de "fazer o que, né?"
Tem um relógio de bolso horrendo preso nos bolsos das nossas camisas, nos assombrando docemente com um bater de ponteiros cada vez mais voraz, cada vez mais cruel.
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