No início era o provérbio caído do nada, antes que eu soubesse o que fazer com ele: "Receive with simplicy everything that happens to you".
Me veio depois o dilúvio e os únicos casais de animais que eu consegui salvar na minha arca foram a junção das vogais e consoantes que formavam meu provérbio. Nele me agarrei como se me agarrasse ao timão da arca, subindo à glória do alívio e descendo ao chão do inferno, sempre presa pelo fio frágil que formavam essas palavras.
Após o dilúvio todos os caminhos ficaram encharcados: os prédios espelhados viraram grandes aquários dentro dos quais boiavam mesas de escritório, laptops, fogões de duas bocas e passadeiras de crochê prá enfeitar criados-mudos de madeira, que também boiavam, opacamente encerados. As árvores pareciam cachorros recém saídos do banho, suas copas murchas e seus galhos prostrados. Os lugares de ser feliz todos devastados, os circuitos familiares agora desconhecidos sob a ótica subaquática.
Tirei do bolso os meus antigos mapas, mas eles haviam virado pequenas ruínas de papel riscado, além do que ali não me valeriam de nada; indicavam direções passadas, me guiavam por um cenário pré-apocalíptico.
Percebi que uma força me puxava insistentemente para o fundo das águas e essa não era a minha decepção; pelo contrário, agarrado em meu pé jazia o provérbio (a barriguinha do ‘R’ encaixou-se perfeitamente no meu dedão) que não me deixava esquecer que era meu apenas o quinhão, e não o questionamento.
Me deixei descer mais fundo e descobri: em Atlântida eu dou pé.
Sem comentários:
Enviar um comentário