Descendo a rua de calçadas traiçoeiras no inferno do fim de Outubro. Uma saia rodada que deixa o calor do asfalto subir todo pelos meus pés, canelas, joelhos, coxas. Sinto tudo me queimar com um fogo invisível que transita entre meus pés e o topo da cabeça, penso que estou no limite de sucumbir e cair no chão dizendo que desisto quando me ultrapassam corpos estranhos que só fazem aumentar o suor. Os termômetros verteriam mercúrio se medissem hoje a minha tensão.
Avisto a sombra deixada pela marquise e pela primeira vez no dia consigo raciocinar: melhor ir prá outra beira e querer como Caetano, só querer o amor e mais nada porque o amor é paciente, é benigno; o amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, mas que mentira que Paulo me pregou. Paulo forjou até o nome e mentiu prá mim, assim como mentiram Saulos, Matheus, Pedros, Tiagos, e vocês sabem o nome do resto dos apóstolos. Só não mentiu prá mim Judas porque em Judas ninguém acredita depois de dois mil e tantos anos de traição.
Chego na faixa de pedestres e antes de partir pro outro lado me lembro dos lados rudes do amor, de quando ele se enciúma, indifere, machuca e volta a ser amor de novo depois de tantos capotes. Estou no meio do trajeto e um caminhoneiro parado no sinal buzina prá mim seu mau gosto estético: "ê lá em casa!". O calor certamente opera nele ainda mais violências que em mim.
Com o pé na outra calçada eu suo como se fosse adiantar, minha respiração tá meio acelerada e eu sinto o coração reverberar no meu peito esquerdo, fecho os olhos pedindo prá que finalmente termine o suplício, tem que haver a hora do alívio em algum momento, o sol parece estar a dois palmos da minha cara, isso ou vai dar muito certo ou vai dar muito errado, as palavras se emaranham na minha cabeça e uma imagem estranha e aleatória se fixa, agora tudo parece muito certo, eu antecipo o que vai acontecer em milésimos, a imagem some as palavras voam prá longe, e eu estou estatelada e vulnerável no chão, após um só respiro divino que pára meu diafragma por alguns instantes.
Morri um pouquinho mas já voltei à vida: por hoje eu não preciso mais do amor.
teste
ResponderEliminaraee rolou a caixinha de comentário de novo :D
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