segunda-feira, maio 02, 2005

[cemsujeito]

Aquele sol que não aquecia, também não queimava a pele.
Nem se faria notar, não fosse o fato de que ainda tornava as lâmpadas dos postes inúteis.
Ventava e as mãos abraçavam o próprio corpo, na tentativa de disfarçar o efeito que aquele sol medíocre deixava o frio provocar.
As palavras que haviam sido jogadas às paredes, ainda que houvesse gente dentro do quarto, agora voltavam golpeando a cabeça. Não incomodava tanto quanto o drama presente nesses escritos pode sugerir.
Havia uma vontade estranha de expressar tudo aquilo que aquela situação, que primava pela banalidade, surpreendentemente provocava.
A garotinha que não podia tomar um sorvete porque "Tá frio! Vai pegar dor de garganta e um febrão." e o modo como ela abraçava as pernas daquela que lhe fazia a negação. A igreja do outro lado da rua e um rapaz que lá de dentro repetia os versos de uma música com as palmas das mãos viradas pra cima e os olhos fechados, numa catarse invejável. O descontentamento causado pelo o reflexo mostrado vez ou outra no vidro dos automóveis que por ali passavam.
Tudo isso inspirava de forma a inquietar, e ao mesmo tempo fazia crescer algo grandiosamente nulo dentro do íntimo.
(...)
Era aquele sol que não aquecia, e nem queimava a pele.
Certamente, nem se faria notar.