quarta-feira, dezembro 12, 2012

um lance de dados

Um dia eu pedi prá ver suas mãos, porque depois de anos de falta de prática eu já tinha dividido a cama com você tantas noites, mas nunca tinha pegado nas suas mãos enquanto caminhávamos no meio da rua. Fiquei assustada com o tamanho normal dos dedos e a espessura qualquer da pele. No escuro a sua mão sempre deu voltas inteiras no meu pescoço, seus dedos me apertavam como se eu ou você fôssemos morrer nos instantes seguintes, e eu imaginava que você teria as maiores e mais quentes mãos do mundo.
Apesar disso eu nunca consegui te olhar diretamente nos olhos. Sempre soube, pelo desespero da sua respiração, que o segundo seguinte era o segundo derradeiro, e era só então que eu conseguia te encarar, por saber que, naquele instante, você provavelmente não se dava conta nem de mim, nem do calor de inferno que se debatia entre as paredes do quarto, e talvez nem de você mesmo. Eu olhava nos olhos daqueles 3 ou 4 únicos milésimos de satisfação que todo mundo tem na vida, em que tudo faz tanto sentido que a gente se esquece até mesmo de respirar.
Um dia, num daqueles inexplicáveis 'sonhar-que-tô-caindo', acordei com um pulo e me assustei mais ainda com seus olhos nos meus, satisfeitos, pacíficos, bobos.

Então eu vou embora, daqui a pouco. Talvez amanhã, talvez mês que vem, talvez em setembro, talvez um pouco depois de te ver sair pela porta, eu sou gêmeos com câncer e nunca consegui decidir a hora certa de fazer as coisas na vida, mas eu sei que uma hora eu vou embora.
Eu vou embora porque eu prefiro a falácia da sorte à falácia do amor, e já lancei de novo os dados que me guiarão de encontro ao acaso. Eu vou embora porque eu acho que a gente já não joga o mesmo jogo.