segunda-feira, agosto 28, 2006

Primeiro [ou Junkie Mirim]

Fazia sol? Eu nem lembro se fazia sol. Eu lembro que tinha areia - aos montes e montes! - e a pele toda seca de sal, pensei até que podia se rasgar que nem papel se alguém quisesse.
Dava prá ver só os peitos do zoto lá da minha cadeira, que o resto todo o tampo da mesa tampava. Porque é que gente grande faz as mesas tão altas se criança também vai sentar nelas? Eu achava tudo muito errado, essa coisa de ter que me espichar toda no meu assento prá acompanhar as conversas da roda, como se ali nem fosse lugar prá mim. Ora, colo de pai servia então era prá isso, além de que o apoio é tão melhor.
Na altura que eu queria, agora sim, começava a ficar bom. Faltava era só meu guaraná, talvez. Mas pai cantava um samba tão alto e deixava tanto a gente ver os seus dentes, que não me ouviria de jeito nenhum, nem que eu puxasse a beirinha da camisa dele.
Fui nos guaranazes que já estavam na mesa, então. Eram mais amarelinhos e tinham até mais espuma, mas vai ver era só uma marca diferente, o meu irmão ele tinha levado lá em casa outro dia um que nem gosto de guaraná tinha, parecia era aqueles sucos da merenda da escola, tão doce.
Quando me viram levar o copo amarelo na boca teve quem riu e teve quem fez bico de não. Eu entortei a cara, que aquilo ali era meio amargo demais e não parecia nem de longe com o gosto ardidinho que eu ia esperando. Mas pai não cansava de nem me perceber, e a sede que ia aumentando eu resolvi que ia matar ali mesmo, no seu copo. Não demorou e, sabe que eu já nem sentia mais sede?
Tava preocupada era em rir riso dos outros, esquecida numa vontade estranha de cantar bem alto, de sair correndo onde é que fosse, de mandar longe os chinelos e pegar onda - todas.
Não sei direito como, mas foram me achar perdida em gargalhadas já na beira do mar, querendo - eles que falam - medir o limite certinho onde água não pegava areia, cortando com passadas tontas a maré, me derrubando no raso das águas, desfeita do biquininho verde, que já ia boiando longe.


[A gente cresce e aprende (pelo menos tenta aprender) a medir - a quatidade e as consequências. Uma pena, convenhamos.]