segunda-feira, novembro 26, 2007

acaba, ano.

... e depois que eu acabar toda essa porcaria que me restou prá fazer, assim que eu tirar o mofo do fundo dos copos e do sangue dos morangos, eu vou me deitar num macio qualquer e encarar o teto por exatas duas horas, só contemplando o meu ócio e pensando em cada coisa que eu não tenho mais que fazer.

Mas antes de pegar a bolsa e trancar a porta com a chave do lado de dentro, eu vou ligar prá tua casa de madrugada e te acordar com out on the weekend bem na parte da gaita entrando prá dentro da sua cabeça, até você retomar a consciência e tentar adivinhar quem é que poderia estar do outro lado da linha, e daí cogitar - com pretensões de sonâmbulo decidido - colocar todas as suas coisas no porta-malas de um carro qualquer [porque pickup é só pro neil] e me sequestrar prá sempre, por dois dias.

segunda-feira, novembro 05, 2007

não era prá ser um diário? então.

Eu aqui, selecionando outra música no windows media player porque meu winamp estragou, trocando uma baladinha feliz por qualquer outro som mais arrastado, aquela coisa meio artificial de quem escreve duas linhas e amassa o papel numa bola que vai pro cesto de lixo, a mão espalmada esmagando a testa, a suposta deadline dando a volta no meu pescoço, nem pro leite adulterado das crianças esse tique de escritor te serve.
Eu iria à janela se houvesse vista do meu prédio, e acenderia um cigarro se isso não desse câncer. E qualquer coisa de beber prá fingir que eu tô no fundo do poço, as olheiras feitas de lápis creon mal lavado, e a expressão de cansaço de quem dormiu a tarde toda. A minha decadência fake não vem, eu tento me lembrar daqueles diálogos que à hora parecem tão impactantes mas que que se pintam em tons pastéis alguns intantes depois, tento maquiar uma porcaria qualquer - porque eu não sei inventar - fico maquinando qualquer borracha que eu tenha ouvido hoje, tantos deleuzes e paul-de-mans, focaults, mallarmés, é tanta gente com nome de sobremesa francesa roubando o meu gozo, tanta preguiça em decidir ir adiante ou voltar atrás duma vez, uma raivinha mínima permeando a minha injusta falta de inspiração trancada num apartamento tão branquinho com detalhes verdes.
Deve ser esse o ponto em que se diz sim pro que vem e tchau pro que foi embora, deve ser esse o ponto em que tardes boas se gastam na horizontal, os olhos mirando por entre as duas unhas mal cortadas dos pés qualquer cara sorrindo comercial de pasta de dente, mais brancos do que nunca (e com flúor!) e umas cáries insignificantes brincando dentro da sua boca agora tão fechada.
Até o meu desassossego tem hora e lugar prá se conformar dentro do quarto lá pela meia noite, até as minhas noites agora terminam mais cedo, todo mundo sóbrio com muito o que fazer durante a semana e pouca paciência pro sábado.
Deve sim, ser esse o ponto em que se diz sim pro que vem e tchau pro que foi embora, eu percebo pelos assuntos com cheiro de mofo, pelas posturas conservadoras, pelo cansaço estampado no rosto de todo mundo e pela aceitação de ombros erguidos momentaneamente seguidos de "fazer o que, né?"
Tem um relógio de bolso horrendo preso nos bolsos das nossas camisas, nos assombrando docemente com um bater de ponteiros cada vez mais voraz, cada vez mais cruel.

terça-feira, setembro 18, 2007

Par'A Fonte.

Eu já ia em minha distração, placidamente transtornada com aquele silêncio que ás vezes irrompe as horas da minha felicidade, quando, ao analisar cada milímetro dos meus detalhes prá ver se me entendia como carne antes de idéia, topei com a linha de cor diferente, cosindo com tanta perfeição o botão da minha camisa.
Aqueles traços simétricos, o rigor da pecinha que agora retornava a seu lugar, a firmeza... tudo aquilo não podia ser coisa minha, eu que tenho os traços tortos, eu que, quando ninguém olha, sempre escolho o lado gauche da vida.
Foi quando eu me lembrei d'A Fonte, e senti que, através daquele minúsculo e estúpido objeto, eu podia me sentir inundada por toda a água viva e doce que já minou daquelas mãos, daqueles olhos.
Então eu quis, e como eu quis, arrancar todos os botões das minhas blusas, rasgar com fúria todos os panos das minhas saias e desfazer as pregas dos meus poucos vestidos, só prá entregar os farrapos em seu colo e sentir, outra vez, um após outro, seus cuidados, suas ternuras, sua vontade de remendar os talhos de uma vida.



[É que são os 51 dela hoje, e eu não tô, assim, tão por perto.]

segunda-feira, agosto 27, 2007

hoje é do Raduan.

Eu até procurei assunto prá tirar a poeira e palavras prá dar cabo nas teias de aranha, nas dores físicas e nas faltas menos concretas.
Mas hoje é segunda, um diabo duma segunda quente e bagunçada, sem hora e sem bom humor prá siesta, ou prá qualquer outra loucura providencial.
Hoje é segunda, então fica o Raduan e o lapso de bom humor que sempre me corre após esse conto.


Aí pelas Três da Tarde
Raduan Nassar

'Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes dividiram entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares a sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo "ciao" ao trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o decoro (o seu decoro, está claro), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome em seguida no trampolim do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobrem a boca com a mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a mesma cara de louco ainda não precipitado) e se achegue depois, com cuidado e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá ao fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não importa em que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.'

segunda-feira, julho 30, 2007

Opa!

Fazer um dinheiro pra ir a um show no fim do ano, acatar a sugestão dum pai, ou simplesmente arranjar desculpa prá faísca de pouca modéstia [talvez de loucura, mesmo] que te acometeu na última semana.
Um desses - ou talvez a soma destes - justifica a exclusão de alguns posts daqui, posts esses que talvez seriam os poucos que eu realmente faria questão de manter [exceto, é claro, aqueles de 2001 - 2002 que me dão horas de diversão em madrugadas insones ou domingos emburrados].
Mas já já eu coloco o que falta por aqui de novo, prá que eu não corra o risco de perder isso por arquivos tê xis tê que eu sempre esqueço em que pasta pus.

No mais, nada. Férias, muito ócio não criativo, muita comida engordativa, saudade, história prá contar... eu acho mesmo é que tenho gastado meu tempo em viver e esquecido de olhar prá fora. Mas passa, deve passar. E se não passa, assim não tá de todo ruim. Ô, não mesmo.

Beijo, brasil.

quarta-feira, junho 13, 2007

20 anos blues...

A lembrança agora me vem mais pálida, um quase esquecimento, mas é claro prá mim que havia um entender mútuo, coletivo, uma quase conformidade galgada em instantes serenos, em horas e copos eufóricos.
Mas nunca, e isto também me é límpido - o que me inicia a dúvida sobre a palidez do meu lembrar - nunca havia em mim a transparência necessária, o entendimento dos "nãos", uma sinceridade em lágrimas. Os anos iam se passando e eu me lembro de não mais achar que eles me atropelavam; havia aprendido a lidar com os entardeceres que podiam se confundir com manhãs, porque percebi que havia, sempre havia aqueles instantes escondidos entre as horas que compensavam meu acordo tácito com o espelho - mais um dia, mais um dia.

Os vinte anos, o falso amadurecer precoce, a vontade mórbida de me amargar antes da hora... Só eu não percebia como isto contrastava pateticamente com a criança que eu ainda era, com a vitalidade dos meus sorrisos, dos meus abraços.
À época me pesavam falsamente; hoje se taturam doce em minha memória, agora concluo, tão certa, tão falha.


[A mudança abstrata de dígitos - não veio a velinha dos 20 mas vieram mais de 20 abraços -, o blues da Elis, as lembranças do Herberto Helder, o formigamento de felicidade em meio a uma estética forçosamente melancólica... parabéns, atrasado, prá mim.]

domingo, maio 06, 2007

home alone.

O que a gente faz com os dias que demoram a passar porque não há quem te impeça de dormir até depois do meio dia? E com a pia que vaza e, se faltar providência, continuará vazando até que fique difícil de atravessar do quarto prá sala sem molhar os pés?
Eu tenho que trocar o papel agora, trocar o ralo que não suga e com pouco vai deixar subir aquele cheiro ruim [cheiro que não vem de mim, no entanto; 'esse cheiro ruim que você tá sentindo aí vem do ralo', sim senhor, do ralo. Eu não sou podre esse tanto].
Mas pode, pode mandar subir sim, moça, que do elevador eu escuto o tilintar das risadas, o encher do copo com espumas de diversão. Eu já levo o dedo no som e aumento as músicas de anos atrás que, impressionante, continuam servindo bem por agora. Fica aí, tem espaço [e é bom que eu não duelo com o sono até tarde prá não pensar no medo antes de dormir] , não vai agora, que a próxima música é muito boa, você vai ver, e a gente ainda nem terminou a rodada, eu ainda tenho cinco milhos prá apostar.
Quase uma hora no relógio, e eu não vou arrumar a cama hoje não, se eu posso enrolar até ficar escuro e parar na janela durante as canções calmas e dançar sozinha e pateticamente feliz ao som de tudo o que me dê vontade de mover os pés, de jogar o corpo.
Eu tenho que trocar a roupa agora, tenho que trocar de olhos quase embriagados e dormir, que amanhã é dia outra vez, e eu devo provar prá mim mesma que eu não sou tão pequena, tão calada assim.

[Acho que merecia um post-diarinho o fato de eu ser sozinha, agora. Mas sempre com gente por perto. Eu mesma já valho por muita companhia, mas não nesse sentido; eu tenho é que dar um jeito de emagrecer mesmo.]

segunda-feira, abril 16, 2007

Shakedown 1979,

e aquela vontade agridoce - porque nostalgia é infalivelmente doceamarga - de fechar os olhos numa gargalhada e fitar a rua do alto dos fios dum poste que se acendia anos atrás.

Aquele desejo frustrado - porque nostalgia fere branda na falta de expectativa - de me agarrar aos ponteiros do relógio até que eles se rendam e eu consiga corrigir todo o tempo que nos faltou prá consolidar nosso passado como o bastante - crianças legais não precisam de futuro.

E essa minha amargura... eu que jamais pensei duas vezes antes de arrancar do corpo os meus conceitos para jogá-los amarrotados no armário, contando que vocês me esperassem na esquina seguinte com garrafas e risos suficientes para todos nós.

Não sabíamos, e por mais que passe tempo, eu ainda não sei o que será dos nossos ossos. Talvez o pó... Hoje o grito das ruas me assusta e eu já não me atrevo a galgar a eletricidade dos fios.
[Eu paro. Por essa hora as lembranças já me cortam demais.]

Abro os olhos e, veja você: não há ninguém por perto.
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[Talvez eu devesse me preocupar em fazer algo que se bastasse sozinho. Mas eu não tenho conseguido pensar em passado e nostalgia sem que o 'bom bom borom bom-bom borom bom bom' de 1979 me venha à cabeça. Quase uma ode, então, daquelas que envergonham o objeto de homenagem por serem assim, tão menores. Mas eu costumo não ser pretensiosa, e não me arriscaria jamais em dizer que qualquer coisa que eu cuspa, ou qualquer coisa que eu me esforce em fazer parecer digna, está a altura disso: http://www.youtube.com/watch?v=fZ2osNmKvNc.]

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Le Temps Détruit Tout.


[Para Camilla]

Eu me encontro hoje envolto naquele tormento tão conhecido de tempos anteriores, a riscar o papel com as costas da mão na tentativa de resgatar do sono as melhores palavras, as únicas bonitas e polidas o suficiente prá fazer acender os seus olhos. [É fato que nunca os vi no momento exato em que você lia minhas ridículas cartas de amor, - porque você sabe do clichê máximo, sabe que elas não teriam amor se não fossem ridículas - mas é assim, brilhantes, que eu gostava de imaginá-los enquanto percorriam minha letra esguia e confusa pela folha.]
Hoje, ironicamente, a confusão inicial me parece ser maior. Tenho a impressão de que as palavras das quais necessito agora dormem mais no fundo, e não sinto ter a habilidade de conseguir acordá-las a tempo de não te magoar com a minha falta de talento traduzida em rispidez.
É que me parece tão mais fácil bancar o parnasiano com as coisas que não precisam ser ditas, e é tão mais cômodo fazer das redundâncias [péssimas] metáforas, que eu devo ter me esquecido em algum ponto disso tudo como é que se fala daquilo que não é evidente e que, por isso mesmo, precisa ser dito.
A minha impotência me colocará apoiado em outros agora, e eu imagino que será isso o que mais te fará encher-se de cólera: com a carcaça das aspas a me proteger será difícil acertar em mim os golpes os cuspes os olhares - estes os mais dolorosos - de fúria.
"O tempo destrói tudo", Camilla, e ainda que evocar a luz impossível de teus olhos faça passar por mim um breve redemoinho agridoce [mais doce que amargo, pois trata-se você], o resto, o antes tudo, já não cabe mais, e esse atual desencaixe dói em mim como poucas coisas já doeram.
As lembranças, você saiba que eu as guardarei todas em mim e que cuidarei prá que nenhuma escape. Já quanto ao tempo... bem, quanto a esse eu serei o covarde de sempre, deixando meu corpo e tudo o que haja mais entregue a sua navalha, já que eu não penso haver outro recurso contra senhores deste porte.

Que você não me odeie pela falta [ou pelo excesso, eu nunca me sei.] de ridículo desta carta.

[De Arturo]

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{Da Camilla e do Arturo eu não esqueço nem quando fico quase 3 meses sem dar as caras por aqui. Quase uma da manhã, de férias, assistindo mais tv do que deveria e sentindo mais saudades do que o possível. Não dava prá mais que isso... que fique como distração.}