domingo, abril 16, 2006

Por encomenda.

De longe era só aquela capa de frio azul que cobria até o joelho saltando duma esquina não menos sórdida que as outras esquinas daquela cidade. Vinha com o rosto enterrado na gola alta do agasalho, e olhava de solsaio para os neons coloridos das placas que faziam a noite urbana parecer uma puta, caricatamente pintada pro seu próximo parceiro qualquer.
Acho que ele teria um gingado bonito no andar, não desconfiasse serem seus passos alvo dos olhares de alguém. Andava então pesadamente, como se quisesse deixar o bico quadrado dos sapatos gravado no cimento das calçadas. A certo momento, contudo, estacou. Tateou os bolsos à procura de algo que lhe parecia imprescidível, e retorceu o rosto ao achar só algumas moedas. Os olhos meio fundos iam semicerrados pelo franzir das sobrancelhas, e a boca fina contraía-se para a esquerda como se quisesse mostrar que, hey, ele realmente estava fodido com aquele monte de frio e aquela falta de dinheiro.
Lançou-se então ao redemunho de carros que cortavam a avenida na tentativa de ganhar a outra esquina - contudo, parece-me que do lado de lá também faria ele só vagar com aquele semblante casmurro [atraente, porém]. Deixou que alguns automóveis desviassem de seu corpo enquanto fitava um horizonte banal, até alcançar a calçada. E de lá, agora dava as costas a mim. Pude ver o puído da barra de suas calças e o gasto dos sapatos pretos que iam e iam e iam e iam.
Eu esperei pelo momento em que ele fosse, de supetão, virar o corpo e me encarar cá em cima, mostrando a mim só o dedo do meio, ou pegando no saco e segurando-o com rispidez, como quando fazem os garotos irritados que querem dizer "chupa!" gestualmente. [É que eu percebia pela artificialidade nervosa dos trejeitos que ele odiava ser despido por minha mira.] Mas que nada. Continuou a se afastar cada vez mais, como quem pune um pintor recusando-se a servir de modelo já pelo meio da obra.
Fechei a cortina, então, cansada da brincadeira e resolvi que talvez tivesse eu algo melhor a fazer. Foi quando, com a elegância ácida de quem vence, ele voltou-se sutilmente prá minha janela e bufou um sorriso de cantinho de boca.
- Tola.