quarta-feira, novembro 16, 2005

[Para o sétimo Concurso Maldito. O tema era algo como "ganhar na loteria".]

Prá [não] ver a vida passar

Prá ela não fazia muita diferença se era dia dos claros ou dos cinzas. E se era feriado ou segunda feira, ela também não tinha urgência de saber. É que ali da janela as coisas não se modificavam muito não...
Todo o dia, depois da sesta, ela deixava o marido a dormir na cama e caminhava até o parapeito. E naquele horário em que tudo já ia fresco e definido, a rua deixava ver passarem os carros, as mocinhas, os homens, as bicicletas, as crianças correndo com os chinelos na mão.
Não, não ficava ali a observar realmente tudo o que sucedia. Era mais como um descanso pros olhos, uma forma de dar vazão a seus pensamentos, agora já mais ou menos gastos, que os anos que ela carregava nas costas não caberiam nas mãos de sete pessoas.
E foi num dia desses, de janela, coisas passando e horas da tarde, que ela percebeu voltar lá do outro lado da esquina o seu marido, correndo como deixava a idade, sorrindo como não se via há muito tempo. Tinha um bilhetinho na mão, que sacudia pro ar, como se quissesse mostrar ao mundo [que, prá ele, bem verdade, não passava muito daquela rua] que aquele papel era seu e que agora ninguém o tiraria de suas garras.
Com névoa de devaneios pelo rosto, ela foi até a porta ver o que é que ocorria com o seu velho e quase que não entendeu o que ele explicava com gestos, gritos e uns beijos desajeitados que dava em seu rosto esporadicamente. Então era isso... haviam ganhado na loteria, e estavam ricos, e aquela casa chique, dois pavimentos, bairro bom, viria já já. E as dívidas do filho mais novo seriam sanadas, iam ver o Roberto Carlos naquela viagem de navio que passava pela tv, e, por falar em tv, iam trocar. Uma nova, grandona, parede quase inteira, ia encher a sala.
E com todo aquele excesso de informação, de novidade, de mudanças, ela só soube se confundir. Deixou que o marido resolvesse tudo, até que as coisas tomassem seu rumo, que aquilo ali ela iria só assitir.
No segundo andar duma casa luxuosa, naquele bairro onde moram os membros da alta sociedade, ela perde o olhar na janela todos os dias, após a sesta. Seu marido dorme e ela pensa, divaga, viaja.
Mas agora [não] vê topos de cabeças e tetos de carro. É que a casa é alta, e em seus pés botaram uns saltos altos.

segunda-feira, novembro 14, 2005

Ha.


__________________________________________________________

Bah.
Passa que lá é estranho e aqui é esquisito. E no outro lugar então, deus do céu. A vontade única era a de ser tão pequena quanto eu me sentia.
Descobri, depois de horas sem dormir e estrada asfalto sol e banco de carros, que o lugar em que eu caibo é o caminho.
Vestida de ansiedade prá chegada, afogada em "mas dessa vez vai ser bom, vai sim."
Passa que eu caibo nas lembranças. Minhas e alheias.
___________________________________________________________


"Waiting for the miracle... For the miracle to come."