quinta-feira, outubro 06, 2005

[ Ele sugeriu posts com o tema "Infância". Sugeriu um parágrafo e, não falou, mas imagino que esperava alguma coisa bonita. Mas eu não sei ser tão sucinta, e a primeira lembrança que me veio à cabeça não é lá das mais infantis. Contudo não se preocupem. Fui uma criança feliz. Comia muitas balas, tinha amiguinhas prá brincar de boneca e levava uns cascudos dos meus irmãos vez ou outra - tudo muito saudável. =}]

Infância

Lembro-me de que havia buracos e de que, ao passar por eles, o carro - escolar que me trazia do colégio, outrora povoado por risos e calor de crianças - se sacudia com fúria, me jogando pro alto e recebendo meu cair em seguida.
Lembro-me de que eu praticamente não dava notícia desse ir e vir de meu corpo, imersa que estava em pensamentos desesperados, afundada que estava em rezas.
Que desse certo, que desse tudo certo. Que no bisturi dos médicos houvesse precisão como nunca houve antes no talhar de qualquer outra carne. Que soubessem que ali jogavam era com a sanidade de minha avó - Santa.
Lembro-me de que uma hora meu corpo de menina de oito anos cessou seu mover. E pelos vidros do automóvel era a frente de minha casa - com as grades verdes as paredes brancas e o jardim de mil cores que me enchia de orgulho - o que eu via. Já nas cortinas cerradas eu senti a apreensão nervosa que rondava o ambiente. A campainha não soou diferente, mas os olhos de minha mãe me percorreram dum jeito molhado e triste quando ela veio me abrir a porta, e aquilo não era usual.
Lembro-me de perceber nessa hora, que Deus parecia não gostar muito do meu jeito de rezar.

segunda-feira, outubro 03, 2005

[Relacionar-se é destruir-se
ou
O máximo que meu pessimismo consegue
ou
Getting bitter.]


Gente? De gente eu tenho é medo.
Esses seres cheios de olhos e bocas e ouvidos, e dez dedos prá meter no meio da minha cara...
... De gente. Sei se gosto não.
Eles sabem juntar sílabas e delas fazer armas, cravar espinhos na pele alheia com atos. Gente machuca, gente finge, gente mata.
O universo inteiro, com tudo o que possui de mais infindável e inefável, em poucos instantes se converge num umbigo de gente. É capacidade incompreensível de minimizar o grandioso e engrandecer o pequeno. E me diriam ainda ter razão, já que "tudo depende da ótica."
Prendem-se à lógica, ao que é palpável, ao racional. Nesse mundo de gente parece até não existir nada capaz de transcender a imaginação. Tudo cercado por grandes grades pouco espaçadas. E isso é, e isso não é.
Diz prá mim, como gostar? Eu só faço é ter medo e querer distância.
Até a hora em que me ponho frente a um espelho - essa invenção de, adivinhe quem? que prá mim só tem a serventia de massagear ou pisotear o ego de cada um - e me vejo piscar dois olhos, apontar dez dedos, abrir uma boca.
Se é gente o que eu sou, é de gente que eu preciso.
Com medo e com mágoa eu me armo, então. Se relacionar-se é preciso, finjamos logo paz, e marchemos rumo a iminente destruição.


[Rolling Stones - Wild Horses. (Músicas acompanham sempre. E o bom é que a relação é unilateral.)]