sábado, novembro 05, 2005

Prá Justificar um Micro-Conto

Anda não era muito tarde, mas o céu já ia escuro. Findava um daqueles dias cinzas de verão, em que sombinhas escapam das bolsas prevendo chuva. Chuva... tinha disso também. É, por sinal, chovia.
Lá na frente se deixava ver a garota, pisando os paralelepípedos com tanta calma que, não fosse pelo vestido amarelo molhado, poderia-se afirmar, com a certeza da fé d´um crente, que os pingos da chuva não a atingiam.
O tal vestidinho era novo. Comprado no brechó há uma semana. Corte reto. Um palmo aberto acima do joelho e lá estava a barra. Manguinhas no meio do braço e uma golinha simpática. Bonitinho que só ele.
As sapatilhas brancas ela segurava nas mãos, prá sentir com a planta dos pés o frio do chão molhado. Era bom.
Por um instante, parou e mirou o poste aceso. Via as gotas a passar agitadas rente ao medalhão de luz que a lâmpada formava, e se enchia duma inquietação diferente. Sentia que algo subia-lhe pelo estômago e parecia prestes a tomá-la de súbito.
Conseguiria resistir? A rua parecia tão bonita assim, sob luzes de postes, fechada por árvores molhadas, se enchendo de música da chuva. E... havia porque resistir?
Largou os sapatos no chão e abriu os braços. Os olhos bem fechados, a cbeça inclinada prá trás, um sorriso no rosto.
Era ali um sopro amarelo arrombando a sobriedade das janelas que se fechavam para a rua.
Girava feito criança, então não poderia gargalhar de outra forma. Girava e que se dane se ele não a amava, à merda com os estudos atrasados, um foda-se à sua crise existêncial e que vão pro inferno os famintos da Somália.
Girava agora, como se sua alma pesasse menos que uma pena. Girou até arfar de cansaço e se deixar cair no chão, as mãos na barriga que chacoalhava enquanto ela ria.
E assim foi.

Foi feliz e, em seguida, foi prá casa.



[Enquanto eu escrevia isso começou a chover de verdade lá fora. Sopraram felicidade na minha cara também. Eu só não vestia amarelo. :)]

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