quinta-feira, maio 06, 2004

E era curioso, porque, no meio de tantas pessoas ele ainda se sentia sozinho. A falta que aquela criatura, a principio tao insignificante, lhe fazia era descomunal e destoava de toda a alegria, de toda a animacao existente naquela festa.
A falta que ela lhe fazia tirava-lhe da cabeca a existencia de toda e qualquer possibilidade de diversao que nao a incluisse.
Porque era ela sua única e mais fiel forma de aproximação com aquilo que os homens costumavam chamar de felicidade.
Mas nao mais a possuia, e nao mais contaria com sua fuga da realidade, sua aventura repentina, seu tiro certeiro no escuro.
Ja nao mais eram. Ela era, ja ele... nem sabia mais se ainda existia de fato. Por isso, tudo ao seu redor parecia tao bobo, tao inutil. Nao conseguia sentir dentro de si a felicidade que o momento tentava lhe passar. Nao se sentia feliz porque, isolado dentro de seu mundo, ja nao valorizava nada mais que nao fosse ela.
Dentro de seu ser havia dor, havia magoa, havia desespero, e havia escondido la dentro uma pontinha de insanidade. Junto com a bebida que ja havia tomado iria bastar.
Entao caminhou para a sacada do apartamento, que ficava nos ultimos andares do predio. Olhou para baixo e percebeu que, de onde estava, o resto do mundo se mostrava exatamente como ele se sentia: insignificante, minusculo.
Debrucou-se na mureta que demarcava a sacada, e pos-se em cima dela. Primeiro o pe esquerdo, depois o direito [quem e que se importa com sorte nessas horas?] e sentiu o vento esfriar-lhe o corpo. A altura o deixou tonto. Sensacoes nao muito diferentes das experimentadas no dia em que descobriu que "ja nao mais eram". Nao precisou de muita coragem, ou forca [e ainda que precisasse nao as possuiria] para dar um pequeno impulso com as pernas, e ir de encontro ao mundo la embaixo, tao parecido com ele.
Pouco tempo depois ouviu-se o baque de um corpo no chao. E no apartamento os versos de Chico Buarque, atraves do som ligado, resumiam a cena: "Agonizou no meio do passeio publico, morreu na contramao atrapalhando o tráfego...".

[E esse tipo de besteira que eu fico fazendo na aula de Portugues. Depois nao entendo porque eu nao sei o que e uma "oracao subordinada adversativa subjetiva substantiva trigonal plana"...]

Sem comentários:

Enviar um comentário