segunda-feira, maio 23, 2005

Ah Bandini. Mas eu não queria me desfazer de você de modo algum. Eu queria te seguir com os olhos enquanto você pegava a linha branca do pavimento e voltava pra Los Angeles. Voltava pra crescer e morrer ao mesmo tempo. Pra perder a sua cor de flor arrancada, e reclamar a falta de raízes dos outros, quando você mesmo não as tem mais.
Eu não queria me desfazer do deslumbrado e prepotente autor de "O cachorrinho riu". E não queria me desfazer das pontadas compartilhadas com Arturo, aquele carcamano pisado pelas sandálias velhas de Camilla. Eu não queria deixar o ódio que eu sentia quando você retirava seu coração do peito e o entregava, fingindo desdém e coragem, à sua princesa Mexicana, para assisti-la retalhá-lo, tal qual fez com o seu exemplar de "O cachorrinho riu".
Ah Bandini. Eu nunca queria me desfazer de você, rapaz que vive à base de laranjas, rapaz que gasta inconsequentemente, rapaz que vive o que a vida te deixa viver. Eu queria acompanhar tua fraqueza e entender sua confusa covardia de quem se força a viver só pra conseguir inspiração, quando não sabe que a vida vem pra ti quando menos esperas, sem que percebas.
Arturo. Eu não queria me desfazer de você. Porque te deixar seria encontrar no outro lado do espelho o meu reflexo, outra vez.
Arturo Bandini. Você não me deixa quando lança ao pó, quando lança à sua Camilla, aquilo que a vida te fez produzir. Você fica, nos meus atos falhos e na minha pretensão e no meu deslumbramento de quem, ingenuamente, espera que algo aconteça.
Você fica, pelo simples fato de que sempre esteve.



[Eu não sei se devia ter postado. Mas o Pergunte ao Pó me balançou como há um bom tempo um livro não balançava. Leiam-no pessoas. Leiam sim.]

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