segunda-feira, junho 27, 2005

O abrir e fechar mecânico das portas, repetido há mais de 20 anos, hoje a fez pensar em algo. Após o girar da maçaneta e o empurrão da porta, surgia uma mulher.
Era "tão bonita de se de admirar". Tinha seus olhos, suas mãos, e o jeito de sorrir que há exatamente 20 anos atrás ela costumava usar. Instigava como podiam se parecer tanto e se conhecer tão pouco.
Se esforçasse a memória que o tempo já vinha querendo afetar mais bruscamente, poderia voltar para a época em que sorria como essa mulher que surgia da porta o faz, e se lembrar de um bebê, com aqueles olhos que agora nem se preocupavam em passar por ela, pousado em seus braços.
Com o abrir e fechar mecânico das portas, com o rodar dos ponteiros do relógio, com a sucessão dia-e-noite, noite-e-dia, a sua criança cresceu. Antes tão frágil, agora já parecia tão auto-suficiente que seria vergonhoso chegar até ela e perguntar se estava tudo bem.
Era sua filha antes de tudo, mas eram estranhas para si próprias, e isso era gritante. Quantas vezes já teria essa sua criança chorado o medo do escuro, à noite, e quantas vezes sua moça já teria chorado o medo de enfrentar as pessoas, o mundo?
Ela não sabia dizer. Sabia contar quantas eram as suas despesas no colégio, qual era o horário de sua aula de inglês, quanto havia custado sua última viagem com aquele rapaz - qual era o nome mesmo? - que ela chamava de namorado. Mas o que de fato acontecia no interior daquela pessoa, isso ela não sabia dizer.
Tentou chegar perto e tocar seu ombro, mas sem perceber, sua filha se esquivou para o outro lado para buscar sua bolsa deixada sobre a mesa, e com a naturalidade de quem está sozinha em casa, chegou até a porta e ganhou a rua.
"Eu também não saberia o que dizer, de qualquer forma.", pensou.
Ainda cogitou entrar no quarto da garota e tentar descobrir quando é que ela havia se tornado tão mulher, e onde é que se escondia o abismo que as separavam. Mas os objetos pareciam por demais inanimados, logo incapazes de contar alguma coisa.
Ao virar-se para sair do quarto, encontrou-se com seu reflexo no espelho. Tocou o canto externo dos olhos e percebeu que a pele ali se enrugava sutilmente. Os cabelos também já possuíam uns fios brancos. Ficou alguns minutos a examinar seu rosto, e percebeu que talvez já fosse tarde demais.
Então, com a sensação de quem perde sem ter lutado, apagou a luz e deixou o quarto.


[Sabe o clipe, Kriptonita, do Ludov. Eu acho uma graça. Pensei nele e fiz esse negócio.]

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