segunda-feira, setembro 12, 2005

Alô.


Lara não está, quem deseja? Sim. Sim, sim. Pode deixar. Qual seu número? Hum. Vinte e dois? Certo. Certo. Então, até... Vem cá. Ela não está, mas... Quer falar comigo?

Meu nome é Rafael, não que isso mude muita coisa. Não muda nada. Sabe, nunca gostei do meu nome. Torcia pra ser algum autor famoso (ou famoso autor) e ter um nome artístico, um que eu mesmo escolhesse. Mas sabe como são as coisas. Vou acabar como médico fazendo plantão em algum hospital por aí. Quem sabe ainda não corto da tua carne. Não, não desligue. Sou normal no sentido mais mediano da normaleza, mais frígido da sutileza.

E, sim, a Lara não tarda. Escritor tem um pouco de masoquista. Todas dores caem para o lado mais chato, o do escritor. Às vezes, já diria Fernando Pessoa, é bom não cumprir um dever, não ler um livro. Lara está dormindo e não quer ser acordada. Quando despertar vai dar a cara, ainda amassada, ao tapa, só para conseguir algumas linhas pra prender tua atenção, leitor sanguinário. Deixo um parágrafo sobre o assunto e um beijo no meio da testa para quem ouviu minha história.

Sentado. Pernas cruzadas hora para a direita, hora para a esquerda. Corpo curvado. Pelas mãos, derretidas, escorria tudo do que era de fraco nesse mundo. Os olhos, secos e turvos, buscavam no vazio algo para se acomodar e disfarçar o silêncio. Nada. Folheou o livro com medo de cruzar um olhar. Drummond não tinha nada para dizer. Nem Veríssimo, nem Rosa, nem ninguém, nem mesmo a senhora descalça que andava a passear pela calçada. Pensou em criar um verso. Pensou. Cinco minutos se enterraram com dois sonetos alexandrinos, versos todos heptossilábicos. Era todo poeta e nada homem. Arquitetara doze romances até a data em questão, e não tinha ao menos verve para encetar o seu. Naquele instante, era o mais pobre dos desafortunados, um escritor sem palavras e com uma puta de uma mancha de suor nas axilas. O nervosismo cerrara a boca, que, seca e estilhaçada, mal esperava pelo beijo que, de fato, não ocorreu. Foi-se a tarde. Beijo no rosto, mão no ombro, o adeus. Na rua fria e solitária, respirava aliviado a anotar os sentimentos.

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