sábado, outubro 29, 2005

[Mais um pro Concurso Maldito. O tema dessa vez era Atos Carnais. Ui.]


Sintético.

O som das chicotadas ressoava pelo eco monstro da igreja. Parecia tão alto que faria enrrugar de pavor o rosto daqueles santos do altar, não fossem eles tão apáticos.
Os caroços rígidos de milho comiam-lhe a pele dos joelhos como se tivessem dentes; agarravam-se a ela como se ostentassem garras; queriam penetrar carne adentro como se estar ali fora fosse erro com urgência de ser sanado.
Concentrava-se na dor prá se esquecer do ambiente a sua volta. Assim não veria os rostos de gesso que o culpavam e não sentiria em seu corpo o cheiro da batina rançosa e puída que afirmava: Era um padre.
Era um padre e era um padre e era o Deus lá da paróquia e era homem e era carne, e desejo, o celibato, as mulheres, e ai há Deus, e era um padre.
O suor lhe escorria pelas costas e ele urrava de dor que provocava a si mesmo. Ainda assim não conseguia se esquivar daquilo a que todo ser de sangue nas veias sucumbe. Porque suava e, sexo. Porque gemia e, sexo. Porque era intenso e, sexo. Os lábios da santa e, sexo.
E parecia até o estalar do chicote em sua pele cantar "sexo!".
Bocas e pernas e o decote da beata, aquela mocinha que outro dia passou assim, sorrindo com os olhos em brasa.
Envolveu-se em pensamentos e devaneios proibidos, numa catarse tão intensa que já não ouvia o som das chicotadas, tampouco sentia os grãos furarem-lhe os joelhos.
Em sua frente agora, só uma silhueta feminina. Um vestido sem cor e sem forma se afrouxava no corpo da mulher à medida em que suas mãos tiravam das casas botões sem textura.
Não tinha rosto, a sua fêmea. Era só sexo e unicamente a isso se dava.
Tinha raiva e pressoa e a queria àquela hora, daquele jeito, em seu pecado perfeito. Então beijava lábios sem gosto e apalpava peles que não lhe acariciavam a mão. Afogou-se no perfume de cabelos sem cheiro e consumou o ato, sem carne.
E aqueles santos de rosto sintético, se fossem reais [ah, se o fossem!], já teriam se quebrado em mil partes diante do êxtase, misto de dor e gozo, daquele padre que era humano demais e agora jazia lânguido, ali nas escadarias que davam pro altar.

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