quarta-feira, janeiro 25, 2006

[Tentando me desenferrujar, rabisquei este pequeno para o 14º Concurso Maldito, de tema: Desmascarar.]

Falso.

Os assentos, alguns momentos antes ocupados com a catarse de quem ali postava-se, àquela hora já iam vagos. Iluminado pela lâmpada que pendia incerta do teto, o picadeiro se mostrava sob uma penumbra que, definitivamente, não caía bem ali. O vermelho-amarelo das lonas laterais dançava no chão sob um reflexo triste, decadente.
Era fim noite no Circo e era ainda rosto pintado em sorriso, bola vermelha no nariz.
O caminho para o banheiro ele já conhecia tão bem. E a sua imagem às vezes parecia nunca ter arredado pé daquele espelhinho retangular de bordas alaranjadas.
Lenço e água e fricção e a felicidade escorria pia abaixo.
Sem tinta no rosto, as sobrancelhas não mais se sustentavam no alto da cara; pendiam a solidão de quem, tal qual o circo, foi abandonado de súbito pela alegria.
Sumira o sorriso caricato nos lábios, lavado o batom; a boca era mais como um risco seco. Lábios finos que já não tem mais razão de se abrir.
A barba por fazer envolvendo a face lavada denunciava-o: um homem só, e só, a encarar-se a si mesmo no espelho fajuto daquele banheiro mínimo.

Mas se seus olhos obedeciam aos apertos da alma e lagrimavam seu reflexo, não havia porque se delongar na dor: A felicidade, esta jazia no picadeiro agora abandonado, e esperaria-o na noite seguinte, quieta e paciente dentro das tintas de sua maquiagem.

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